Eu já havia escrito um post anteriormente falando sobre como amamentar não é algo natural e instintivo, como eu imaginava que fosse, e contando das dificuldades que eu passei para conseguir finalmente amamentar meu bebê sem sofrimento.
Mas as dificuldades para amamentar não se limitam a questões físicas como a pega do bebê e a produção de leite pela mulher. Existe toda uma questão cultural envolvida, que, se por um lado sabemos todos que o leite materno é o melhor alimento pro bebê, e nos declaramos quase todos a favor da amamentação (eu mesma nunca conheci alguém que diga abertamente ser contra), por outro lado, existem barreiras invisíveis para uma mãe amamentar, em forma de julgamentos, comentários maldosos, ou até mesmo "dicas" para ajudar. Se a vontade da mulher amamentar não for realmente enorme, e se ela não estiver bem instruída sobre o que esperar da amamentação, pode acabar caindo em armadilhas e causar danos à amamentação, algumas vezes de forma irreversível...
Muitas vezes as dificuldades aparecem já na própria maternidade. É bem comum as próprias enfermeiras da maternidade indicarem o tal "bico intermediário", pra aliviarem o desconforto que pode surgir nos primeiros dias da amamentação. Ou então na própria maternidade já oferecem fórmula na mamadeira pro bebê, porque a mãe está com "pouco leite"* Ambos os casos são bem graves, e podem estragar toda a amamentação. Mesmo com um bebê que já tem a pega bem formada, pode acontecer a terrível confusão dos bicos (falei sobre ela aqui). Com um bebê que ainda está aprendendo a mamar e uma mãe que ainda está aprendendo a amamentar, então, isso pode ser ainda mais grave...
Isso não aconteceu comigo, pois a maternidade que escolhi para ter meu bebê tem uma visão muito lúcida a favor da amamentação, mas uma conhecida que teve bebê há poucas semanas, em uma maternidade de referência da minha cidade, já foi pra casa dando fórmula na mamadeira pra bebê, porque, segundo a maternidade "a mamãe não dá conta de alimentá-la como deveria, porque ela é muito gulosinha... que gracinha!!"
Mas se não enfrentei esse primeiro obstáculo, enfrentei outros, também muito frequentes:
Assim que cheguei em casa vinda da maternidade - com hormônios a mil, sentindo um desconforto enorme por causa da cirurgia, ainda em luto pelo parto que não foi como eu esperava, já sentindo dor ao amamentar, chorando de um lado e Nícolas chorando do outro - ouvi uma parente** me dizer que talvez o Nícolas tivesse chorando de fome, porque meu leite era fraco...
Depois, alguns dias adiante, ouvi outra parente** me insistir em dar uma "chuquinha" para ele, com chá de camomila e funchicória, para melhorar as cólicas...
Recentemente, uma terceira parente** me orientou a oferecer uma mamadeira pra ele com mingau de aveia, para que ele dormisse a noite toda e eu pudesse descansar...
E várias outras vezes também ouvi comentários do tipo "tem que deixar chorando um pouquinho pra acostumar", "não dá o peito, ele está com a barriga cheia, não está com fome", "ele já acabou de mamar, está só fazendo seu peito de chupeta, não deixa não, dá uma chupetinha pra ele"
Pra completar tudo, ouvi algumas vezes da própria pediatra (que, a princípio, deveria ser uma profissional super engajada com a amamentação) que ele não estaria engordando bem, e talvez fosse bom suplementar (sendo que ele sempre esteve na curva normal de crescimento, e é um bebê grande, gordinho e saudável); depois que eu deveria dar mais batata pra ele comer no fim de semana e menos peito (isso aos 7 meses, onde o leite ainda é - ou deveria ser - a principal fonte de nutrientes pro bebê); que durante a noite eu poderia pedir pro meu marido dar água pra ele, ao invés de eu dar peito; e que a partir dos 3 meses mamadeira e chupeta são liberadas, porque não causam mais a "confusão dos bicos".
Pra uma mãe que não sabe dos riscos que os bicos artificiais trazem para a amamentação, e da importância do aleitamento materno exclusivo até os 6 meses, em livre demanda, é muito tentador usar algum artifício que deixe o bebê mais tranquilo, e que faça com que ele durma mais tempo...
É óbvio que eu gostaria de poder dormir uma noite inteirinha, sem precisar acordar para amamentar. Mas, não, não troco por nada o prazer e cumplicidade que os momentos amamentando meu bebê nos proporciona (fora a importância para a saúde dele) por noite nenhuma. E assim como eu, várias mães também fariam essa escolha (sem julgamentos às que optam pela noite de sono - cada uma sabe do seu grau de cansaço e tolerância), mas muitas são enganadas pelas promessas das mamadeiras e chupetas, e acabam prejudicando a sua amamentação...
Das parentes, não guardo nenhum tipo de rancor pelas "dicas". São em geral pessoas mais velhas, que criaram seus filhos em um tempo que essa era a "receita" para criar bebês saudáveis, e só querem ajudar.
Mas da pediatra, julgo seu comportamento como no mínimo anti-profissional. Sabendo de todos os benefícios da amamentação, porque ela iria sugerir algo que pode interferir e prejudicar? Talvez seja muito ideia de "teoria da conspiração" imaginar que ela (e a maioria dos profissionais da área) tenha algum interesse em desmamar bebês, para fazer o capital girar, mas não penso em outra explicação lógica. Afinal, bebês que mamam no peito não geram lucro pro sistema. Bebês que gastam com fórmulas, mamadeiras, chupetas e todos os aparatos associados, sim!
Some-se a tudo isso um cenário em que muitas vezes a mãe recebe olhares tortos e até mesmo comentários maldosos quando está amamentando em público, e aquelas que mesmo assim insistem em amamentar podem ser consideradas guerreiras revolucionárias.
*A apojadura costuma acontecer de 3 a 5 dias após o bebê nascer. Por isso, o normal é que a mulher não esteja produzindo leite quando sai da maternidade, somente colostro. Os bebês nascidos a termo já estão preparados pra isso, e portanto sua necessidade nutricional nos primeiros 2 dias é ínfima. O normal é que o bebê perca peso nos primeiros dias mesmo, e sempre saia da maternidade mais leve do que quando nasceu. Portanto, não faz NENHUM sentido complementar bebês com fórmula na maternidade, salvo raros casos bem específicos.
** Não falei e nem vou falar quais foram as parentes que fizeram as indicações, pois não quero causar nenhum constrangimento ou discórdia, caso algum dia alguma delas leia esse post. Sei que as dicas foram todas dadas de coração, e imaginando que esse seria o melhor para mim e meu filho.
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