Mesmo antes de tomar a decisão de ser mãe, eu achava magnífico mulheres parindo sozinhas. Achava um ato tão natural e ao mesmo tempo tão empoderador. E era meu sonho, caso algum dia engravidasse, realizar meu próprio parto, sozinha, em casa, assim como a maioria das mamíferas não-humanas fazem. E na minha visão, quanto mais primitivo, melhor - no parto sozinha vejo a mulher se comportando como um animal selvagem com seus instintos à flor da pele; uma fêmea com dor, que procura sua toca escura, onde se recolhe, sozinha e em segredo, para se proteger e proteger seus futuros filhotes.
Quando me vi grávida, cheguei a cogitar essa ideia, mas não tive a coragem suficiente de seguir com essa decisão. Decidi então por um meio termo entre o parto totalmente auto-suficiente e o parto "linha de produção": contratei uma equipe (maravilhosa, diga-se de passagem) formada por duas enfermeiras e uma obstetra para realizar um parto humanizado. Primeiramente o objetivo seria realizar o parto domiciliar assistido, mas depois por medo do meu marido e alguns outros fatores, concordei em realizar o tão aguardado parto humanizado em uma maternidade que dá suporte a esse tipo "especial" de parto (que na realidade deveria ser o tipo "comum" de parto). E então fizemos as consultas, visitas, conversas, exercícios, e eu me preparei fisicamente, psicologicamente e espiritualmente para ter um lindo parto humanizado, com direito a tudo: sala escura, liberdade para me posicionar da maneira mais confortável pra mim, marido me dando suporte, equipe me respeitando, banheira, massagem, corte tardio do cordão umbilical, comer a placenta, etc... Mas no fundo, eu ainda nutria um desejo secreto de que meu trabalho de parto fosse tão rápido, que eu acabasse parindo sozinha em casa, sem dar tempo de ser levada à maternidade.
Meu parto estava previsto para final de agosto (40 semanas completas em 29 de agosto), e como iria ocorrer uma mudança de lua no dia 26 de agosto, várias pessoas me disseram que era altamente provável que eu entraria em trabalho de parto nessa madrugada. Levei isso a sério, e criei tanta expectativa, que cheguei a ter certeza que a data seria essa mesma. Me programei pra isso. Mas esqueci de avisar pro neném... E ele decidiu que aquela não era a hora.
À medida que os dias iam passando e eu não entrava em trabalho de parto, minha ansiedade aumentava. Fiz muita caminhada, faxina, subi escada, etc... para tentar estimular o trabalho de parto, mas nada dava resultado. Meus sogros vieram pra cá dia 1 de setembro para conhecer o neto, e depois que eles chegaram, tive medo que ele não nascesse antes da data de retorno. Tivemos que trocar as passagens aéreas das minhas enteadas, que viriam conhecer o irmãozinho no feriado de 7 de setembro (que, no nosso entendimento, já teria nascido com certeza até esse dia). E embora ninguém estivesse me pressionando para parir logo, eu me sentia pressionada o tempo todo. Chorei muito de ansiedade, de medo, de raiva, de sei-lá-o-quê...
O combinado com a equipe de parto era: após as 40 semanas completas de gestação, faríamos consultas e exames com mais frequência e continuaríamos aguardando até as 42 semanas completas (o que seria dia 10 de setembro). Se até lá o bebê não tivesse nascido, iríamos induzir o parto. No dia 6 de setembro (uma quinta-feira) fizemos consulta com a obstetra, que solicitou alguns exames para acompanhar o bebê com mais cuidado. Já que no dia 7 foi feriado e as clínicas não abriram, no dia 8 (sábado) pela manhã fomos fazer os exames, com plena convicção que estava tudo certo, já que o bebê estava se mexendo bastante dentro da barriga e com batimentos cardíacos normais. Mas infelizmente o resultado desses exames não foi conforme o esperado. Pelo relatado pela médica que os realizou, uma veia (ou artéria?) da cabecinha dele estava com mais pressão que o esperado, e havia muito pouco líquido amniótico. Mandei os resultados para a nossa obstetra, que então disse que não era mais seguro esperar: Nícolas deveria nascer ainda naquele dia. Ela me deu a opção de tentar induzir o parto normal, ou de partir direto para uma cesariana. Eu quis muito induzir o parto, pois eu queria demais viver a experiência daquele lindo parto humanizado tão sonhado, mas o elemento principal para meu parto fluir de maneira perfeita já havia ido embora: a confiança em mim mesma e na minha capacidade de parir meu filhote. Conversamos muito eu e marido, e decidimos então que no ponto que estávamos, o mais seguro para o nosso filho era uma cesariana. E como essa era a coisa mais importante naquele momento (garantir um parto seguro para ele), foi o que fizemos. Quando tomamos essa decisão, chorei por horas seguidas, sem parar. Tive que esperar 8 horas em jejum para realizar a cirurgia, e nessas 8 horas chorei quase ininterruptamente. Não era um choro de medo ou de preocupação. Era um choro de tristeza. Tristeza por ter chegado tão perto de realizar um sonho, e ter que desistir dele. Naquele momento o "parto perfeito" era tudo o que eu mais queria.
E enfim às 16h58 meu bebezinho veio ao mundo, por meio de uma cirurgia. O sentimento que ternura que eu tive ao vê-lo foi enorme. Mas não apagou a tristeza que eu estava sentindo por não ter conseguido parir minha cria.
Não acho que isso tenha qualquer relação com o tamanho do amor que eu senti por meu bebê desde o começo - eram duas coisas independentes. Eu estava enormemente feliz pelo meu bebê, por ele ter nascido com saúde e de tê-lo finalmente nos meus braços. Mas estava enormemente triste pelo meu parto, por ele ter sido tão diferente do que eu desejava. Ainda fiquei de luto e chorei bastante por alguns dias (ou algumas semanas) pelo parto que eu não tive, e finalmente a tristeza passou.
E depois de alguns dias, aquele gostinho do "e se" foi dissipado. Eu ainda estava remoendo a decisão que tomamos, pensando que poderia ter tentado a indução e ter meu parto lindo e meu bebê saudável, mesmo naquela situação. Mas tanto a obstetra quanto a enfermeira que acompanharam meu parto me disseram que eu tinha realmente muito pouco líquido amniótico, e que ele estava com uma coloração verde bem escura. E que mesmo que houvesse sucesso na indução, no momento que a bolsa estourasse e elas vissem o estado do meu líquido, iríamos interromper o parto normal e correríamos para uma cesariana de emergência (o que seria muito mais "traumático" e longe do meu parto idealizado do que uma cesariana realizada com calma, como aconteceu). E ainda haveria o risco do neném aspirar mecônio e ter complicações.
Então, no final das contas, a nossa opção foi realmente a mais acertada, tanto para mim quanto para o Nícolas, e ao saber disso, fiquei aliviada e suspirei em paz.
Me sinto abençoada por ter sido assistida por uma equipe tão competente. Pela minha médica ter me aconselhado tão bem. Pelo meu marido ter me dado suporte e me ajudado a tomar a melhor decisão possível. Por ter tido acesso aos exames necessários e ao procedimento cirúrgico que garantiram a segurança do meu bebê. E principalmente por meu bebê ter nascido forte, saudável e perfeito. Sei que sou privilegiada, e a maioria das mulheres infelizmente não tem acesso a tudo que eu tive.
No fim, sinto que esse foi o primeiro ensinamento que Nícolas me deu: que nem tudo está sob meu controle, que as coisas podem sair diferente do idealizado, e que ainda assim está tudo bem. Essa foi a primeira de muitas vezes no exercício da minha maternidade que terei que aprender a respirar e deixar as coisas fluírem, e aceitar que seja como for.
E, no mais, o sonho do meu parto humanizado ainda não está, de todo, perdido. Quem sabe não vem outro neném por aí daqui a uns anos? ;)
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