quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

Terrible Two


Nícolas está próximo de completar 2 anos e 5 meses. Estamos em pleno Terrible Two, como é conhecida a fase dos dois anos, em que a criança se mostra desafiadora, com alterações repentinas de humor, ou, como costumam dizer, "birrenta".
E para minha grande felicidade e não tão grande surpresa, estamos passando por essa fase muito mais tranquilamente do que eu esperava. Não querendo me gabar mas já me gabando um pouco, acho que nos preparamos bem para essa etapa, sem falsas expectativas e com informação de qualidade. E também, modéstia à parte, estamos tendo boas intuições.
Nícolas tem uma personalidade encantadora: é um menino alegre, criativo, carinhoso. Mas também é bastante independente e determinado, o que, apesar de serem qualidades, podem se tornar características potenciais para as tão terríveis "birras". Claro, é muito mais fácil administrar uma criança que aceita tudo da maneira que for do que uma que sabe exatamente o que quer e está decidida a fazê-lo.

Então, qual seria o segredo para passarmos por essa fase de maneira suave?
Acho que, antes de mais nada, adequar as expectativas e mudar seu olhar em relação à criança. Uma criança de 2 anos não é um mini-adulto. Ela não entende sobre interações sociais, não tem capacidade de avaliar a importância de ficar quietinha "só por meia hora". Ela não vai aceitar sair pra jantar e ficar  sentadinha no carrinho enquanto os pais conversam entre si ou com amigos. Não vai ficar quietinha num cantinho brincando sozinha o dia inteiro enquanto você faz comida ou vê um filme. Não vai entender que com a roupa nova de festa não pode ir no parquinho. Não vai dormir na hora que você quer que ela durma, nem vai entender a importância de comer o que você acha que ela deveria comer. E isso tudo é absolutamente normal. Nessa idade eles estão aprendendo sobre o mundo, descobrindo coisas fantásticas a cada novo dia e querendo experimentar tudo. Não querem ficar limitados a um carrinho ou um cantinho. Também, estão aprendendo sobre autonomia. Por isso é tão tentador para eles falarem "não" o tempo todo. Eles estão exercitando e testando seu poder de decisão. O "não" tem um poder incrível de silenciar a vontade do adulto e colocar sua própria vontade em jogo. É fascinante.  Olhar dessa forma pra criança em vez de simplesmente achar que ela fala "não" porque é teimosa, muda tudo. 

Outra grande diferença é olhar pelo olhar da criança. Apesar de parecer uma vida despreocupada e maravilhosa, a verdade é que ser criança não é nada fácil. Imagina uma pessoa que chega em um país diferente, com costumes diferentes, um idioma diferente em que ela não consegue compreender e se fazer compreendida, e ainda ter alguém responsável por ela que quer determinar o que ela deve fazer o tempo todo, desde a roupa que deve vestir, a hora de comer, tomar banho, dormir, etc?? Seria uma situação bem estressante e irritante. E é assim que a criança se sente na maior parte do tempo...
O que podemos fazer nesse sentido é tentar facilitar as coisas pra criança... conversar com ela, explicando o que acontece ao seu redor e tentando realmente entender o que ela quer expressar. Evitar dar tantas ordens e negativas, deixando sempre que possível que a criança escolha o quê e quando fazer.
Isso não quer dizer deixar a criança fazer absolutamente tudo o que ela queira. Até porque, se fosse assim, não precisaria existir cuidadores. Mas significa, primeiro, ajustar o ambiente e as possibilidades que a criança terá nele, de forma que ela possa exercer escolhas seguras. E segundo, escolher quais brigas comprar. É essencial que saibamos definir o que é realmente importante que a criança faça (ou não faça) para sua saúde, segurança e desenvolvimento, e o que queremos que ela faça simplesmente porque queremos. É essencial para a criança tomar o remédio na hora certa quando está doente, por mais que ela não queira. Mas não é essencial para a criança (nem para ninguém) sair com a roupinha nova que a avó deu de presente, se ela não quiser.

Por aqui o que fazemos é evitar sempre obrigar ou proibir o Nícolas a fazer algo. E para que isso seja possível, limitamos suas opções. Então, por exemplo, ele tem acesso total ao armário da cozinha. Se ele quer esvaziar o armário todo (ainda bem que essa fase já passou!! hoje já consigo manter a cozinha arrumada), tudo bem. Entendemos que faz parte do desenvolvimento dele. Mas para isso, não deixamos nenhum objeto de vidro ou facas na parte baixa dos armários da cozinha. É muito mais fácil manter objetos perigosos no armário alto do que ter que ficar o tempo todo mandando ele largar a faca (o que possivelmente faria com que ele não quisesse soltar, teríamos que tirar à força, ele iria chorar e aconteceria a terrível "birra"). Ou, também, nunca obrigamos ele a comer determinada comida. Mas, novamente, para isso temos que limitar quais alimentos ele tem acesso. Se tivéssemos chocolate e maçã em casa, possivelmente ele escolheria chocolate todas as vezes. E, obviamente, não estaríamos agindo certo em autorizar isso. A forma mais simples de evitarmos esse problema é não tendo chocolate em casa. Se as opções dele forem banana e maçã, então realmente pra gente tanto faz o que ele vai comer dentre as duas, e ele se sente bem podendo escolher. E por aí vai...
Atualmente a única coisa que o Nícolas realmente não gosta de fazer e nós o obrigamos, é escovar os dentes. E todas as vezes tem choro. Mas é só para essa situação. Imagina se tivéssemos que obrigá-lo a comer a comida saudável em vez da "porcaria", a largar a faca, a dormir na hora que queremos, a acordar na hora que queremos, a tomar banho na hora que queremos, etc... Seria um dia inteiro de brigas e choros!!! Não há adulto ou criança que suporte isso. 

E, além disso tudo, a criatividade também ajuda sempre. Há alguns dias o Nícolas cismou que não queria mais andar na cadeirinha do carro. Ao invés disso, ele queria se sentar ao lado da cadeirinha, no banco de passageiros. Tentei argumentar, mas todas as vezes acabei tendo que colocá-lo à força na cadeirinha (não é uma opção permitir que ele ande solto, por questão de segurança), e como esperado ele ficou bem chateado e chorou. Até que ontem tive uma boa ideia, que meu marido colocou em prática hoje, na hora de levá-lo à creche, e já me falou que foi sucesso: Coloquei a cadeirinha da cachorra no lugar vago do banco de passageiros e o marido pediu que ele levasse o sapo de pelúcia junto para a creche. Quando chegaram no carro, o marido mostrou pra ele a "cadeirinha do sapo" e colocou o sapo sentadinho lá. Como não sobrou mais nenhum espaço vago no banco de passageiros, Nícolas subiu na sua cadeirinha tranquilamente. Problema resolvido, sem mais briga nem choro.

Enfim, resumindo tudo, acho que o segredo para passarmos pelos Terrible Two (e acredito que por todas as demais etapas de desenvolvimento da criança e adolescente) é termos empatia e respeito pela criança. É sairmos do nosso pedestal de adultos e nos colocarmos na situação da criança, tentando entender o que ela está passando e imaginando como nos sentiríamos naquela situação. É desconstruirmos essa ideia de que "adulto sabe tudo" e que "criança tem que obedecer sem questionar", e vermos a criança como um indivíduo, que assim como nós, tem vontades, desejos e aspirações, que merecem ser levadas a sério e não silenciadas. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário